15/05/2007 - 21h00
A mesma mosca que parece incapaz
de deixar de bater a cabeça no vidro da janela pode possuir algo que
parece muito humano: livre arbítrio. É o que indica um estudo feito com
moscas-de-fruta na Alemanha. O trabalho não afirma que os insetos tomam
decisões conscientes, mas rebate uma visão bastante popular na
neurociência: a de que o cérebro funciona simplesmente respondendo a
estímulos, como um robô mais avançado.
Há uma “lei”
semi-séria entre os cientistas que analisam comportamento animal em
laboratório, que traduzida livremente significa: “sob circunstâncias
experimentais cuidadosamente controladas, um animal vai se comportar
como lhe der na telha”. O trabalho alemão, publicado na revista
científica “PloS ONE” nesta semana, procura estudar exatamente essa
variabilidade.
“Nossos resultados nos permitem perguntar por que o cérebro possui essa
propriedade. Por que um animal sempre se comporta de uma maneira um
pouco diferente mesmo nas mesmas situações?”, afirmou ao G1 o líder do estudo, Björn Brembs, da Universidade Freie, em Berlim.
A visão defendida por Brembs não é exatamente popular entre os
neurocientistas. Para a maioria deles, o cérebro toma uma determinada
ação em resposta a um certo estímulo. Isso não significa que o mesmo
estímulo sempre resultará na mesma ação, mas que não existiria decisão
tomada por mera “vontade”, sem relação com algum estímulo externo -–
mesmo em seres humanos.
As
diferenças de comportamento observadas em animais respondendo a um
mesmo estímulo, principalmente em insetos, são, para grande parte dos
pesquisadores, apenas respostas aleatórias, resultado de cérebros
complexos.
Não foi o que a equipe de Brembs
verificou nas moscas-de-fruta. O grupo prendeu exemplares do inseto com
pequenas quantidades de cola, que as impedia de mudar de lugar, mas não
de se mexer e bater as asas, em um ambiente completamente branco, sem
qualquer estímulo externo.
Se as moscas simplesmente respondessem ao estímulo que recebiam, elas
todas se moveriam de maneira mais ou menos parecida –- e monótona. Se
sua resposta fosse aleatória, ela lembraria os sons erráticos de um
rádio fora de estação. Mas o que os cientistas observaram foram
movimentos completamente diferentes, que não podem ser considerados nem
determinados, nem aleatórios. “Um comportamento aleatório é fácil de
testar matematicamente e as moscas não estão nem perto disso”, afirma
Brembs.
A equipe testou diversos modelos matemáticos para tentar prever o
comportamento dos insetos. Nenhum deu certo. “Nossos resultados
eliminam duas explicações sobre o comportamento das moscas que
contrariam a existência de um livre arbítrio: a aleatoriedade e o
determinismo”, diz Brembs. “Se a livre vontade existe, ela está entre
essas duas possibilidades, em um lugar que ainda não é bem
compreendido”, afirma.
Segundo o cientista, se nem as moscas-de-fruta respondem apenas a
estímulos, é muito difícil defender que o mesmo aconteceria
em seres humanos. Para ele, o cérebro deve possuir algum mecanismo
biológico que seja responsável pelo nosso livre arbítrio.
“Como
um biólogo, acredito que cada um de nossos pensamentos e emoções se
origina no cérebro. Assim sendo, deve existir uma fundação biológica
para o que nós chamamos de livre arbítrio”, declara Brembs. “Neste
momento, ainda estamos longe de saber qual seria essa fundação”, diz
ele.
O pesquisador reconhece que seu trabalho vai
de encontro à grande maioria dos neurocientistas. “Nosso estudo não
exclui a possibilidade de que a vontade própria pode ser simplesmente
uma ilusão. Mas ele é consistente com um cérebro que pode, de fato, ter
vontade. A outra explicação não é compatível”, diz ele.